Conselheiros não conseguem moderar o clã Bolsonaro na política externa

Eduardo Bolsonaro. Foto Paola Orte, Agencia Brasil

Na semana passada, foi a metralhadora giratória de Carlos Bolsonaro que provocou saias justas na equipe de transição. Depois de algumas trombadas, ele desistiu de comandar a comunicação no governo do pai e anunciou que vai retomar o mandato de vereador no Rio de Janeiro. Foi um alívio para alguns integrantes do futuro governo.

Nos últimos dias, Carlos parece ter baixado a bola. Até mesmo no Twittter não gerou nenhuma polêmica nova. Seu irmão Eduardo, reeleito deputado federal com a maior votação de todos os tempos, desembarcou em Washington com agenda cheia e sem papas na língua. Teve encontros com várias autoridades americanas como Jared Kushner, genro e conselheiro de Donald Trump. Judeu ortodoxo, ele influenciou o sogro na controvertida decisão de, ignorando resolução da ONU, transferir a Embaixada americana em Israel de Telavive para Jerusalém.

Na campanha eleitoral, Jair Bolsonaro disse que Israel, como estado soberano tinha o direito de decidir onde instalar sua capital. Não teve maiores repercussões. Depois de eleito, em entrevista a uma jornal israelense, reafirmou a intenção de, a exemplo dos Estados Unidos, também transferir a Embaixada brasileira para Jerusalém. Foi o suficiente para o Egito cancelar um convite para o chanceler brasileiro Aloysio Nunes Ferreira e os países árabes, grande mercado para os nossos produtos agrícolas, ameaçarem com represálias comerciais. O agronegócio chiou e Bolsonaro pôs panos quentes.

Em seu périplo americano, já na segunda-feira (26), Eduardo Bolsonaro avançou o sinal ao dizer que o Brasil poderia  “congelar tudo aquilo que remete e passa pelas ditaduras cubana e venezuelana, dar um calote muito grande nesses ditadores”. Qualquer coisa que isso signifique seria uma atitude inédita e e meio destrambelhada na política externa brasileira.

Eduardo Bolsonaro, atrás do pai Jair, na entrevista em que o presidente eleito apresenta Fraga de Araújo como novo chanceler. Foto Valter Campanato, Agência Brasil

Nessa terça-feira, dia do encontro com Jared Kushner, Eduardo Bolsonaro deitou falação sobre a complexa situação política do Oriente Médio, num contexto em que se apresentou como uma espécie de escalão avançado do governo Bolsonaro e um dos padrinhos da indicação do embaixador Ernesto Araújo para chefiar o Itamaraty. Sobre a transferência da Embaixada para Jerusalém, foi taxativo: ” A questão não é perguntar se vai; a questão é perguntar quando será”.

Em seguida, ele minimizou a possibilidade de represálias árabes se metendo no milenar conflito entre sunitas e xiitas, em que sabiamente a nossa política externa sempre se manteve distante. Com toda desenvoltura, Eduardo Bolsonaro pontificou: “A maioria ali é sunita. Quem sabe se apoiarmos políticas para frear o Irã, que quer dominar aquela região, a gente não consiga um apoio desses países árabes”. Evidente que doeu nos ouvidos de nossos diplomatas, tidos como excelentes profissionais em todos os foruns internacionais.

Soou mal também na equipe de transição. Ali o amadorismo do clã Bolsonaro ao tratar de política externa sempre causou incômodo. Buscou-se ali convencer Jair Bolsonaro a escolher um embaixador experiente que pudesse evitar conflitos desnecessários e prejudicais aos interesses comerciais do país. Foram atropelados pela indicação de Ernesto Araújo pelo filósofo Olavo de Carvalho, bancada pela família Bolsonaro.

Apesar de estranharem as seguidas declarações belicosas do embaixador Ernesto Araújo — que se define como um conhecedor de ideologias com a missão de “extirpar o marxismo e seus disfarces do Itamaraty — , a avaliação entre integrantes da equipe de transição é que o estrago causado pelos palpites de Eduardo Bolsonaro sobre complexas questões internacionais é ainda maior.

Bolsonaro e três dos cinco filhos: Carlos, Flávio e e Eduardo

O problema é que o clã Bolsonaro, incluindo o presidente, parece pensar igual sobre as relações com outros países. A exemplo da economia, em que sempre proclamou sua ignorância,  a diplomacia é outra área meio estranha para Bolsonaro — só que aí ele tem convicções arraigadas com sua visão de mundo herdada da Guerra Fria.

Por essa ótica, a China, nosso maior parceiro comercial, continua sendo vista como uma força comunista que quer dominar o mundo. Só que no mundo real devem prevalecer os interesses do país. Por exemplo, está no Brasil uma missão chinesa vistoriando 84 frigoríficos que podem ser autorizados a exportar carne de gado e de frango para a China. Os chineses também estão negociando com o governo brasileiro um acordo para importarem melão e exportarem pera para o Brasil. As negociações prosseguem, mas o martelo sobre novos negócios e investimentos chineses só será batido se o governo Bolsonaro trocar a retórica ideológica por acordos pragmáticos, certamente mais lucrativos.

A dúvida é seus conselheiros mais moderados vão convencer Bolsonaro a ser mais pragmático.

A conferir

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