Exemplo de Caxias pode ser um bom guia para Bolsonaro

O presidente eleito Jair Bolsonaro não se cansa de repetir, que seu exemplo de político é o Duque de Caxias, e reforçou o exemplo de seu título de “O Pacificador”. Certamente ele se referia ao personagem histórico do Século XIX e não à nova leitura dessa figura criada em 1979, a partir do livro Genocídio Americano a Guerra do Paraguai, do escritor de Ribeirão Preto (SP), José Júlio Chiavenato.

O Caxias de Bolsonaro é o Patrono do Exército e não a figura criada pelo escritor paulista. O Caxias histórico é um político central no País a partir de 1832, da Regência Trina, deputado (federal) pelo Maranhão e, depois, Senador pelo Rio Grande do Sul, presidente das províncias do Maranhão e do Rio Grande do Sul, negociador que extinguiu a Balaiada (revolta de grandes proporções com epicentro em Caxias (MA), que lhe deu o título de nobreza), o Levante de Sorocaba, a Rebelião de Barbacena e o acordo da Paz de Ponche Verde, no Rio Grande do Sul. Foi ministro da guerra e três vezes primeiro-ministro, chefiando diferentes governos. Estes são os pontos centrais de sua participação na vida política do País. Em paralelo, foi chefe militar comandante de tropas em combate, vencedor de guerras e batalhas. É este o inspirador do presidente eleito.

Entretanto, a narrativa do escritor Chiavenato, em vigor, aceita e difundida pelo magistério nas escolas e academias, apresenta um personagem malévolo, responsável pelo genocídio do povo paraguaio durante a Guerra da Tríplice Aliança. Nada tão fake e mais simplório. A participação de Caxias na Guerra do Paraguai foi reorganizar o Exército no front (trocar o pneu com o carro andando?), remover as rivalidades dentre brasileiros e argentinos, cercar e eliminar a fortaleza da Humaitá, vencer os exércitos inimigos numa sucessão de batalhas campais num único mês, a campanha denominada “dezembrada”, e retirar-se da guerra, considerando-a concluída, depois de tomar a capital inimiga e constituir um governo provisório reconhecido pela comumidade internacional. Dali para a frente Solano Lopez era apenas um rebelde dissidente do governo de Assunção criado pelos exilados que estavam refugiados em Buenos Aires e Montevidéu.

Duque de Caxias

É preciso fazer justiça a Caxias como guerreiro, antes de voltar à sua trajetória política, que lhe valeu o cognome de “Pacificador”. No seu livro “História da Guerra do Paraguai”, do general alemão Max von Versen (Editora Itatiaia, Belo Horizonte, 1976, em colaboração com a USP), esse militar europeu que assistiu ao conflito como observador, parte junto aos aliados, parte entre os paraguaios, reconhece Caxias como o único general sul-americano que poderia se equiparar a um general europeu. Certamente isto explica seu sucesso e reconhecimento.

Como político foi que teve maior destaque, embora a fama de vencedor de batalhas fosse um item muito importante no Século XIX. Ainda major, o futuro Caxias foi chamado por seu pai, o regente Francisco Alves de Lima e Silva, na regência Trina, para reorganizar e comandar Corpo de Guardas Municipais da Corte (atual Polícia Militar do Rio de Janeiro) e acabar com a criminalidade que infestava a capital do Império.

Com esse êxito, Caxias foi promovido e depois convidado a comandar a repressão ao levante da Balaiada, no Maranhão, em 1840. Ele, no entanto, não aceitou o simples comando militar. Exigiu ser nomeado presidente da Província, cargo político. Com isto, não obstante tenha havido confrontos armados, negociou com as lideranças e conseguiu um acordo que deu fim aquela guerra civil.

Quando estouraram outros conflitos republicanos, em São Paulo e Minas Gerais, Caxias, já então barão, foi outra vez chamado a solucionar o problema. Em São Paulo compôs nada menos do que com o Padre Diogo Feijó, ex-regente que assumiu o poder nacional numa eleição direta. Já velho e alquebrado, o chefe do Levante de Sorocaba, foi recebido por Caxias. Também em Minas Gerais compôs com chefe da Revolta de Barbacena, Teófilo Otoni, visionário mineiro que rivaliza com Barão de Mauá como empreendedor e modernizador.

Balaiada

No Rio Grande do Sul, Caxias negociou a Paz de Ponche Verde, com a então República Riograndense e trouxe a Província de São Pedro de volta para o Império do Brasil. Ele negociou o fim da Guerra dos Farrapos, que já durava 10 anos, com as maiores expressões da história política do Rio Grande do Sul, Bento Gonçalves, Bento Manoel Ribeiro, Antônio de Souza Netto e o General Osório (então major, mas já líder político), que rivalizam como próceres de gerações posteriores, como Getúlio Vargas e Júlio de Castilhos.

Nesse Tratado estava incluída a liberdade dos escravos, que, no entanto, não foi aceito pelo governo central do Rio de Janeiro. Caxias, então, negociou uma saída alternativa: os proprietários de ex-escravos libertados pela república gaúcha seriam indenizados e os cativos incorporados ao patrimônio público, como escravos da Nação, como eram denominados os cativos pertencentes aos governos. Cerca de 100 deles, depois de incorporados ao patrimônio estatal, foram enviados para o Rio de Janeiro, longe de seus antigos senhores (que reclamavam o baixo preço da desapropriação) para serem alocados no Arsenal da Marinha e nas fazendas públicas na região de Jacarepaguá, na capital do Império.

Farrapos. Guilherme Litran, Acervo Museu Júlio de Castilhos

Foi com a façanha de concluir a Guerra dos Farrapos, numa negociação trabalhosa e delicada, ao longo de dois anos de combates e gestões políticas, que incluíram a viagem de uma missão para se entender diretamente com o governo brasileiro (o regime era parlamentarista) que Caxias conseguiu acabar com a luta armada. Uma das condições seria de os antigos rebeldes indicarem o nome do presidente da província. O nome apresentado foi o do antigo chefe inimigo e Caxias foi o nomeado presidente do Rio Grande do Sul, o próprio Caxias. Não bastasse, foi eleito senador pelo RGS, com apoio das duas facções, republicanos monarquistas. Foi com esse sucesso político que recebeu o título de “Pacificador”.

Monarquista convicto, sua imagem foi esquecida nos primeiros tempos da República, até ser reabilitado pelo Exército, em 1922, com o título de Patrono do Exército. Entretanto, sua marca mais relevante na história é a de político conciliador, que resolveu conflitos sangrentos com negociação política e desmobilização dos ódios.

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