Ser ou não ser? O dilema de Gleisi Hoffmann

Dilma Rousseff e Gleisi Hoffmann no lançamento da candidatura de Lula, em COnagem-MG. Foto Ricardo Stuckert/PT

As cerimônias e os rituais na sexta-feira (8) no lançamento, em Minas Gerais, da candidatura de Lula a presidente da República, botou na mesa mais um cenário para o dilema do PT nas próximas eleições: vai entrar para valer e assegurar seu lugar no espaço dos grandes partidos ou aconselha o voto branco ou nulo? Nessa manobra emerge poderosamente a atual presidente nacional do partido, senadora Gleisi Hoffmann. Ela está com as rédeas na mão.

A posição da parlamentar paranaense no grid de largada reforçou-se porque ficou claro e evidente a todos os petistas que ela é o ectoplasma do ex-presidente preso. Quando for dado o sinal, Gleisi estará muito bem posicionada para decolagem, com os motores aquecidos para a arrancada vertiginosa em que deve se transformar a campanha do PT para a presidência. Sim, pois aí vai ou racha.

Os movimentos táticos de setores do PT neste momento seguem um roteiro audacioso, procurando recolher as experiências históricas que levaram ao poder uns líderes banidos, tal qual a posição de Lula, hoje preso e politicamente cercado. Como um líder nestas condições deve agir nesta situação? Esta é a pergunta e a raiz do dilema: até onde ir? Quando e como recuar? Gleisi é a chave (ou a resposta?).

Gleisi saiu candidatíssima do evento em Minas Gerais, que ratificou a candidatura de Lula em 7 de outubro. Com a carta do ex-presidente na mão, ela representava sua voz e sua pessoa. Este fato lembra Juan Perón, em 1972, quando designou Hector Campora para representa-lo no pleito. Como se recorda, exilado e condenado, o general era inelegível, não podia ser legalmente candidato. Então designou um representante, que se apresentou ao eleitorado como se fosse ele próprio. O cartaz de campanha tinha a foto de Campora, com a imagem do candidato e uma única palavra: “Lealtad”. Lealdade, em português.

Campora venceu a eleição no primeiro turno, tomou posse, indultou Perón, devolveu-lhe o grau de general e renunciou, junto com o vice-presidente. Dois meses depois, já legalmente reabilitado, com nova eleição, Perón voltou à Casa Rosada nos braços do povo. Sua mulher, Isabelita, entrou como vice-presidente. Esta é uma história expressiva dos tempos recentes da América do Sul. Efeito Orloff?

Outro espelho histórico seriam as duas participações de Getúlio Vargas nas eleições dos anos 1940. Nas duas vezes o velho caudilho guardou-se, deixando para se manifestar abertamente até o último momento.

Na primeira vez, o general Eurico Gaspar Dutra foi eleito presidente pelo PSD, partido fundado por Getúlio. O general só teve a indicação explícita do então ditador deposto e exilado em São Borja no último momento. Com isto virou o quadro eleitoral, derrotando o candidato da UDN, brigadeiro Eduardo Gomes.

Quatro anos depois Getúlio repetiu o movimento e fez o mesmo jogo para sua própria candidatura, pelo PTB. Ficou negando e negaceando até o limite, quando admitiu disputar e inscreveu-se.

Nas duas vezes adiou o a definição até o limite. Com isto evitou desgastes prematuros e usou seu formidável poder de transferência para, em 1946, eleger seu sucessor e, mais adiante, em 1950, para desmontar um quadro eleitoral que parecia definido entre PSD e UDN.

Foi algo tão estonteante que a carona no candidato Cristiano Machado, apresentado por um partido varguista, o PSD, sumiu nas urnas e gerou o termo hoje tão repetido de “cristianização”. Seria essa a brecha para Gleisi?

De qualquer forma o que se fala mesmo nas hostes do PT é que a senadora seria derrotada nas eleições. Lula não conseguiria transferir-lhe todo seu eleitorado a tempo. Então Gleisi deixaria uma eleição certa como deputada federal para ficar quatro anos, pelo menos, sem mandato? Não é verdade: como presidente de um grande partido, num presidencialismo de coalizão, ela terá mais força do que voltando ao Congresso como líder uma bancada na Câmara.

Senadora Gleisi Hoffmann, do PT. foto Orlando Brito

Como presidente nacional do PT, Gleisi teria nas mãos a burocracia partidária e seria a gestora dos fundos públicos, que, na atual legislação, seria a única fonte recursos partidários legais. É muito poder. Com essa chave na mão poderá enquadrar bancada e arbitrar as eleições municipais de 2020. Além disso, continuaria sendo a voz de Lula, comandando a oposição.

E a outra opção do Partido dos Trabalhadores seria retirar-se da eleição presidencial insistindo no nome de Lula, como se fala e a imprensa reproduz como se alguém pudesse ser votado nestas condições. Impossível. O tempo de Cacareco, o rinoceronte eleito vereador em São Paulo, nos anos 1950, já passou. A Justiça Eleitoral, por causa daquele fiasco, proíbe a divulgação das inscrições em votos nulos. Mais ainda: com a urna eletrônica, o eleitor não encontrará o nome de Lula na tela de votação. Gesto inútil.

Em caso de não participar do pleito, denunciando uma fraude branca pela falta do pré-candidato mais citado nas pesquisas, o PT estaria condenado à ilegitimidade todos seus governadores, senadores e deputados eventualmente eleitos. Seria um tiro no pé.

Portanto, não vai acontecer a absteção maciça. Lula vai indicar seu candidato no último momento, possivelmente depois que a Justiça Eleitoral impugnar sua candidatura na hora do registro. Neste caso surgirá aquele que deve levar a bandeira do partido às urnas para marcar posição. Fernando Haddad é o nome que está na rua. Entretanto, Gleisi Hoffmann é a figura emblemática que está em construção e que poderá chegar mais forte do que se pensa atualmente, em 7 de outubro. Como dizia o Conselheiro Acácio: “quem viver verá”.

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