A morte do peixe

Há poucos dias, lembrei aqui uma passagem do livro Conversa na Catedral, do peruano e prêmio Nobel de Literatura, Mario Vargas Llosa. O destaque foi para a indagação de um dos personagens, que em determinado trecho do romance pergunta: “Em que ponto o Peru se fodeu?”. Aproveitei a lembrança para fazer uma analogia com a atual situação do Brasil e perguntei quando a mesma coisa aconteceu por aqui. Mas, agora, usando o mesmo mote, quero perguntar: quando o senador Aécio Neves se fodeu? Eu sei.

Hoje, Aécio é um zumbi político, não morreu ainda porque os políticos têm a capacidade de morrer várias vezes e ressuscitar também. Veja o caso do ex-senador Demóstenes Torres, quem diria que ele estaria apto a disputar tão rapidamente as eleições depois de ter sido cassado por seus pares? Quem poderia imaginar que o também senador Collor de Mello depois de impedido voltaria a ter importância política? Aqui cabe um parêntese: usando a mesma régua que os petistas, Collor sofreu um golpe. Fecho o parêntese. É bom destacar que mesmo ressuscitando da morte política, o político renasce mais fraco do que já foi um dia.

Então, vamos tentar encontrar o exato momento em que o Aécio morreu pela primeira vez, ou se fodeu. Foi no dia 24 de março de 2017, no Hotel Unique, em São Paulo. O empresário e corruptor-geral da República, Joesley Batista, gravou 30 minutos de conversa entre os dois. O diálogo é de ruborizar flor de urucum e já foi amplamente divulgado. O ainda senador alega que foi vítima de uma arapuca e se defende utilizando estratégias propostas por bons advogados. Como o Direito é uma ciência humana, ele pode até escapar ou protelar por muito tempo uma condenação. Mas não há dúvida: se fodeu.

Criado para ser presidente da República, Aécio caminhou nos trilhos dos trens mineiros e preparou direito sua ascensão para se tornar um político nacional. Disputou as eleições presidenciais contra uma candidata fraquíssima, que contava, porém, com uma estrutura de marketing gigantesca, dinheiro a rodo -agora sabemos como foi arrecadado – e utilizou a máquina governamental sem nenhum pudor. Aécio perdeu ganhando. Num exercício de futurologia, seria o candidato mais forte à Presidência da República nas próximas eleições. Superando o próprio Lula. Mas a roda da história girou de outra maneira, e o mineiro que gosta de mar morreu pela boca.

Na disputa, Aécio conseguiu atrair muita gente, não por ser um líder, mas por representar o antipetismo. Atraiu quem votou por eliminação. Restava então preservar esses votos e confirmar ser um candidato capaz e viável. O diálogo gravado revelou o caráter que o político escondia. O polimento anterior, a educação, a maneira correta de se expressar foram para o espaço. Surgiu ali, em todo o seu esplendor, um jeito acanalhado de falar e se comportar. Tisnou definitivamente sua imagem. Não há mais como recompor com esse eleitorado que conquistou por eliminação. Ninguém chorou por ele, ninguém acampou por ele. Virou um moribundo político a vagar por aí. Se fodeu.

Acampamento

É inacreditável que, em pleno século XXI, a gente ainda assista a cenas de fanatismo político que lembram os grandes caudilhos, os populistas, os ditadores sanguinários de um extremo ao outro, além de os ridículos tiranos. Mesmo que seja forjada, a histeria mostra como ainda engatinhamos politicamente. A história nunca nos ensinou porque existe a necessidade de haver sempre um guia imortal. Os portugueses nos legaram o sebastianismo, tá certo, mas o fanatismo obtuso não tem pai, nem mãe.

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