A balela da exceção

Foto Orlando Brito

Ouço literalmente embasbacado a cantilena de determinados (e pequeníssimos, é verdade) setores da suposta elite política e intelectual brasileira dissertar, com a maior seriedade, sobre um alegado “estado de exceção” no qual estaríamos todos mergulhados atualmente. A bizarrice é autofágica na medida que tem sido propagada justamente graças à absoluta e irrestrita liberdade política de que os brasileiros desfrutam hoje em dia.

Desfrutam muito mais dessa democracia vibrante, é verdade, justamente esses brasileiros que tiveram o privilégio de uma boa educação, o acesso ao ensino superior gratuito, a chance de passar em um concurso público e outras circunstâncias que nos colocam no seio da – esta sim – verdadeira elite brasileira.

Apenas para esclarecer aos menos atentos, fora da elite estão os outros 85 a 90% dos brasileiros que, alheios a esta discussão teratológica, seguem acordando cedo para pegar o ônibus e ir ganhar o seu sustento em um trabalho normalmente extenuante e instável, onde a competência, a produtividade e a assiduidade são exigências.

E por que, na visão desses nossos privilegiados compatriotas, vive-se um estado de exceção no país? Tudo teria começado porque o Congresso Nacional (eleito democraticamente e em pleno funcionamento) acolheu denúncia contra uma presidente da República, passou meses a fio analisando o caso e votou por seu impeachment. Como já o fizera duas décadas antes com outro presidente, para júbilo justamente desses hoje incomodados cidadãos.

A exceção persiste porque, como se sabe, a imprensa está manietada e impôs-se censura prévia à criação artística e cultural? Ops, não, não… Então este regime autoritário deve se configurar pela supressão dos direitos individuais e o anestesiamento do Poder Judiciário e do Ministério Público? Também não. Ora, certamente então ele estará confirmado por causa do fechamento dos sindicatos, das organizações estudantis e até do Congresso Nacional? Tampouco.

O próprio fato de, neste espaço, podermos eu e você divergirmos livremente sobre o entendimento acerca deste ou de qualquer outro assunto é a prova cabal de que essa balela é, em suma, apenas isso: uma balela. Aqui n’Os Divergentes convivem democraticamente jornalistas, articulistas e colaboradores das mais diferentes tendências. E nos lêem pessoas com as mais variadas convicções. A bronca é livre, assim como é a palavra. Onde você já viu um troço desse em um regime de exceção?

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